Sandra Felgueiras responde se investigaria a história da sua mãe

Não sou capaz de fazer esse raciocínio. O facto de ter vivido o caso da minha mãe não me transformou em jornalista de investigação, já o era. Estaria longe de imaginar, como qualquer ser humano percebe, que iria acontecer o que tragicamente aconteceu à minha mãe. Decidi ser jornalista aos seis anos de idade e já sabia muito bem o que queria fazer, não sabia exactamente em profundidade o que era, mas era isto.

O que aconteceu com a minha mãe passou-se quando tinha 22 anos, julgo eu. De qualquer das maneiras não seria capaz de fazer qualquer tipo de abordagem a essa pergunta e explico porquê. Se há algo que aprendi é a noção plena do conflito de interesses.

Tudo aquilo que não posso abordar com racionalidade, não abordo. Jamais faria uma investigação a uma pessoa que me é próxima. Tive uma situação dessas há três ou quatro anos com uma pessoa que conheço perfeitamente, que acabou por estar envolvida numa investigação que o Sexta às 9 estava a fazer e o que eu fiz foi dar carta totalmente branca ao Luís Miguel Loureiro para ele desenvolver a investigação como entendesse.

Jamais investigaria e nem sequer faria o exercício de pensar o que teria feito para investigar a minha mãe, de quem tenho muito orgulho. Mas há uma coisa que digo como ser humano e, se quiserem, como filha e não como jornalista: não acho legítimo que nenhuma pessoa investigue outra sem lhe dar direito ao contraditório. E respondo não como jornalista porque isto é das maiores amarguras que guardo como filha.

Como jornalista não quero criticar os meus colegas que o fizeram, mas como filha sinto-me à vontade para dizer que não é possível fazer-se um trabalho que se pretende dizer sério e que termina numa absolvição total, por isso às tantas não terá sido assim tão bem feito. Não é possível terem feito esse trabalho sem alguma vez terem perguntado à minha mãe se tinha alguma coisa para dizer.

Nunca faria isso a um entrevistado meu, nunca o fiz nem nunca o farei. Cada jornalista tem de ter consciência que a nossa capacidade de alcance é tão grande, mas tão grande que não podemos dar-nos ao luxo de haver um dia em que façamos pior apenas porque estamos aborrecidos. Isso não pode acontecer. Um médico não se pode dar ao luxo de um dia operar pior porque há alguém que pode morrer e nós não nos podemos dar ao luxo de um dia trabalhar pior porque há alguém cuja honra, cuja dignidade é afetada.

Só peço a toda a gente que trabalha nisto e que goste, no mínimo, tanto como eu gosto. E enquanto for uma apaixonada pelo jornalismo vou continuar a fazer isto. No dia em que deixar de ter esta paixão que me corre nas veias, não faço isto.

A jornalista conta ainda como foi parar à RTP e porque razão ficou na estação pública:

Nunca falo de como aqui cheguei porque me falam sempre primeiro na minha mãe, e eu não me desvio, porque sempre tive e tenho orgulho nas minhas raízes, mas chega a um momento em que penso que talvez não saibam bem quem eu sou, nomeadamente os nossos pares que não me consideram parte da elite: acabei o curso de comunicação com a média mais alta da faculdade, fui sempre a melhor aluna, fui elogiada por todos os meus professores, entrei para o Expresso através do concurso 20 novos valores. Entrei para a RTP a convite do Henrique Garcia e prestei provas.

Só fiquei na RTP porque o Zé Rodrigues dos Santos me pediu muito e já nessa altura tinha muitas fontes. Fui convidada para a SIC Notícias e para a TVI com 22 anos. E nunca pedi um favor a ninguém para ser quem sou.

Ganhei o prémio da Sociedade Portuguesa de Autores em 2019 e sinto que foi muito merecido. Consegui algo inédito. Ter criado o primeiro programa de investigação televisivo do país e tê-lo mantido com regularidade semanal – quase sempre sem meios e apesar das inúmeras pressões dos últimos tempos – no ar fez na segunda-feira precisamente 8 anos. Sim, fez esta semana 8 anos.

Páginas: 1 2

Deixa o teu comentário

Create a free website or blog at WordPress.com.

EM CIMA ↑